quarta-feira, 24 de julho de 2013

Coralina - a crise

Algo paradoxal é algo que se contradiz, como haviam lhe ensinado. Cora sabia disse. Cora entendia assim. Mas Cora não aceitava as coisas facilmente. Depois de tantas provações, deveria estar extática, absorvida em felicidade, correto? Contudo, depois de tanto pensar, de tanto querer entender, chegou à conclusão de estava passando por um fenômeno que nomeou "afogada em felicidade". Pode parecer besteira, mas as pessoas não foram feitas para serem felizes. Felicidade é um estado, como fome, sede, é passageiro, deve ser sentido, e pronto. Mas, nesse momento, nesse exato momento em que encarava a tela do facebook, ela notara que era uma pressão tão grande (interna e externa) para que se acalmasse, que sorvesse dessa tão falada felicidade, que ela se permitira o suficiente para abrir suas portas mais escuras, os cadeados mais complexos: sentimentos. Os mais indesejados e complexos sentimentos que vinha se protegendo ao longo de anos, e que esperavam qualquer oportunidade para emergir finalmente encontraram seu caminho. E ela não conseguia mais fechar. Ali mesmo, no trabalho, em frente à tela do facebook que mostrava um felino fazendo qualquer coisa cômica, ela soluçava, ela gritava de dor, ela ria histericamente, ela tremia de desgosto, ela esmurrava a mesa com tamanha intensidedade que os objetos iam caindo aos poucos, ela não comportava tantos sentimentos ao mesmo tempo.

- Cora, você tem algum objetivo pessoal, algo que você sempre esperou a vida toda, uma curiosidade subjetiva que lhe impulsione uma busca espiritual? - disse O Melhor Amigo.

- Sim.. eu.. eu quero sentir tudo.

- Como assim, amiga?

- Eu quero sentir tudo ao mesmo tempo. O sentimento. Aquele que gera todos os outros. A forma mais pura de sentir. Eu acho que se eu sentir tudo que há para se sentir em um momento único eu posso chegar à mais pura forma de sentir - respondi, com olhos arregalados, como se houvesse uma curiosidade doentia querendo ganhar o mundo, uma ganância sem fim.

Não. Não . NÃO. NÃOÇAOÇALÃOAÃO. É DEMAIS. EU NÃO CONSIGO. GRITAVA. ESPERNEAVA. NINGUÉM A CONSEGUIA CONTROLAR. Ela não respondia aos apelos dos colegas. Os homens não sabiam de onde vinha essa força que mesmo três pessoas não podiam conter. Era tudo uma grande imagem borrada do descontrole.

- Eu quero você. Eu quero sentir você. Eu te quero ao meu lado agora, sempre. - dizia em frases entrecortadas ao longo dos beijos e carícias, enquanto deitavam na cama, enquanto tiravam as roupas, enquanto se tocavam.

Mas era demais. Era muito forte. Era inconsequentemente incontrolável. Eram muitos "in"s. Eles não se tornaram um. Ela não soube como proceder, ela não soube amá-lo, ela não soube se amar. Ela o deixou só, e para sempre se arrependeu. Foi esse arrependimento. Ele lhe abatia agora. Ele lhe fazia fincar as unhas no carpete e contorcer no chão de dor.

- Eu não sei como consertar isso. Por favor, me diz o que eu fiz, como eu devo proceder, eu farei o que estiver ao meu alcance, o que eu tiver que fazer, só me aponta a direção, por favor, você não consegue começar a entender a sua importância na minha vida, a importância da gente, como um todo... - suplicava.

- ... *click* tu tu tu tu tu tu tu tu tu tu tu tu.

Escutou o barulho do telefone durante horas. Não sabia em que ponto errara, não conseguira cumprir o que era melhor em fazer, não conseguiu ajeitar as coisas, e para sempre perdera a promessa do que é eterno. Não sabia o que fazer, essa perda, essa dor de perda consciente de que não se podia consertar independente do que se fizesse, não era igual à morte, era igual a saber que você apenas não era suficiente. Era essa perda de si que a fazia rasgar as roupas de calor no meio da multidão que apenas assistia ao episódio como se vissem um filme da sessão da tarde.

- Como é que você pôde fazer isso comigo?! Depois de tudo que a gente já viveu, depois de tudo que eu te dei, de todo o eu que eu confiei nas suas mãos, por quê?! - dizia secamente, controlando o descontrole.

- Não foi minha intenção, foi apenas um teste. Foi uma falha minha. Eu erro. Eu sou humano. Eu não fiz nada demais. É um engano. Sou eu. Você me conhece. Você sabe quem eu sou.

- Eu... - à medida que eu falava os sentimentos já trancafiados vinham à garganta e me impediam de dizer sim. Depois de tantos enganos, depois de tanto sofrimento já resguardado, não se podia submeter a entregar-se novamente. Era perigoso demais. Podia perder a razão. - Eu não acho que eu sei.

Estava acontecendo. O que temera durante tanto tempo. O que passara tantos anos tentando controlar. Parara de gritar. Permanecera estática e encolhida no chão, procurando uma maneira de se recompor, procurando forças para se recompor. As pessoas se amontoavam cada vez mais.

- Eu tive vontade de lhe dar três tiros.
...
- Eu sinto muito... era para eu ter lhe protegido... Que espécie de mãe sou eu?!
...
- Não.
...
-Você tem certeza que é isso que você quer?
...
- Não posso ir ao cinema. Tô ocupada, tenho que ir.
...
- Eu não sei se posso me entregar novamente. Já fui muito machucado por você.
...

Quantos telefonemas me foram negados. Quantas pessoas me renegaram. Quantos sofrimentos teria de passar ainda até que pudesse alcançar a liberdade. Sim, liberdade. Felicidade não era suficiente. Felicidade era uma mera ilusão. Apenas mais um cadeado para deixar trancado o que há muito deveria ter se perdido no mundo. Quanto tempo?! Por favor, alguém, quanto tempo?!

É o fim. Será esse o fim? Será que é só isso? Deve ser. Por que eu esperaria algo diferente? Eu deveria só aceitar e dormir. Dormir e nunca mais acordar. Apenas descansar eternamente em uma grande inconsciência.

Piscou os olhos e estava na frente da tela do facebook. Seus colegas de trabalhos faziam muito barulho, empenhados em terminar o serviço o quanto antes para sair mais cedo e ir assistir ao jogo de futebol no bar da esquina. Ela continuava parada, assustada, encarando o gato que dançava. Respirou bem fundo. Fechou os olhos. Expirou. E postou um comentário em sua "wall": então, vamos tomar uma bera hoje à noite para comemorar?

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