sexta-feira, 12 de julho de 2013

Coralina - o nascimento

sabe aquele olhar? não, queridos, não o vulgo (e vulgar) olhar quarenta e três. estou falando do olhar perdido, aquele que lhe olha, lhe encara diretamente na mais profunda essência do seu ser e parece não lhe reconhecer como um igual, como uma pessoa, como alguém dotado de sentimentos. esse olhar. o que tem? era esse olhar que se concentrava na tela do computador. era assim que se encontrava Coralina. ela não tinha certeza muito bem do porquê de sua angústia, mas ela já havia lido sobre o assunto, "angústia existencial". todos diziam que passava, que era momentâneo, mas ela já sentira durante tantos anos que começou a pensar que ou os outros estavam extremamente equivocados ou ela estava profundamente doente. espera. doente, não. ela nunca ficava doente. errada. isso. ela estava profundamente errada. no meio de seus pensamento, foi abruptamente interrompida por um tapinha nas costas. O Chefe. ele a pegara em um momento de "divagação", e isso era ruim, muito ruim, já que ela sempre estava alegre e risonha. ele perguntaria se havia algo errado, se alguém havia morrido, e entraria em seu eu particular. isso não podia ser. se é particular é porque é privado, é seu, unicamente. não permitiria que isso ocorresse. mas, foi aí que se enganou, nesse seu pensar demais. pois a expressão d'O Chefe era a mesma daquelas pessoas que se dizem seus amigos, mas a qualquer suspeita de uma infelicidade, de um sentimento difícil passageiro, fazem aquela cara de não-estou-percebendo-nada e continuam com o assunto anterior, ou, no caso em questão, com o assunto seguinte.

- Cora, minha linda, você pode providenciar o arquivamento desses documentos para mim?

Coralina, já com a máscara mais popular, O Sorriso Branco, lhe responde em um tom amável que sim, mas sem lhe tirar os olhos da cara, incrédula com a situação. Não verdadeiramente incrédula, pois já havia passado por isso anteriormente, com outras pessoas. Mas, O Chefe, um homem tão íntegro (ou assim diziam), tão sincero (ou assim lhe informaram), tão, tão... igual (e era tudo que ela via). Não importa, pensou consigo enquanto retirava o grampo de um bloco de documentos. Eu tenho é que parar de pensar tanto, pensou alto.

- É o quê, Cora? - dessa vez era O Cachinhos Dourados. Sim, eu sei, que espécie de homem recebe o nome de O Cachinhos Dourados? Mas, você precisaria conhecê-lo. Ele não é tão másculo a ponto de caracterizá-lo como homem, nem tão feminino a ponto de lhe conceder o nome de Andrógina.

- Nada.. apenas pensei alto.

- Ah... ok.

Cora já havia beijado O Cachinhos Dourados. Curiosidade, sabe. É homem, não parece com homem, mas beija como ...? A resposta? Ela jamais saberia. Além disso tudo, O Cachinhos Dourados não beijava com a língua. Como se chama aquele outro tipo de beijo? Ah, beijo técnico. Realmente, o nome lhe serve. Frio.

- Quê isso, Cora?! Você tá dormindo o dia inteiro, cara! - ele continuou.

- Ah.. desculpa!

Eu tinha acabado de derrubar uma pilha de documentos que O Chefe havia me trazido. Era a inércia. (Ela sempre culpava a inércia). Comecei a juntar os papéis quando me deparei com uma folha interessante. Bem, não interessante no sentido mais legítimo da palavra, pois era uma folha igual às outras, só diferindo no nome no topo da página, seu nome. Leu um pouco mais e viu o nome d'O Cachinhos Dourados. Não estava entendendo direito (ou querendo entender), mas parecia que O Cachinhos Dourados havia requerido um procedimento administrativo para apurar ... ASSÉDIO SEXUAL POR PARTE DELA?! OI?! Levantei os olhos, abismada, deixando tanto o olhar perdido como O Sorriso Branco de lado. Aquele filho da mãe brincava com um de seus cachos. O Filho da Mãe. Sim, um bom nome. Esse, sim. No documento estava descrito, com detalhes, o dia em que havíamos nos beijado na escada do edifício do trabalho. Não me leve a mal, eu não sou linda, mas sou no mínimo desejável. E O Filho da Mãe quem havia me encurralado! Absurdo! Como ele pudera? E me veio apenas um pensamento: homens. E tudo estava explicado. Continuei a ler, e vi que o processo tinha sido arquivado porque eu não era sua superior. Não entendi muito, mas sabia que a palavra "arquivado" era um bom sinal. Bem, só quero deixar bem claro que o meu processo com meu mais novo conhecido, O Filho da Mãe, não estava sequer perto de arquivar.

Fui ao banheiro com minha bolsa, tirei meu batom vermelho e me olhei no espelho. Cabelos soltos. Check. Sombra. Check. Lápis. Check. Batom vermelho. Check. Como eu disse, não sou horrenda. Na verdade, me considero normal, embora minhas amigas sempre me digam que eu não fico com pessoas do meu nível e que eu deveria me envolver com pessoas da minha classe. Elas não são minhas amigas de verdade. Tenho cabelos castanhos, bem claros, sou morena e tenho olhos negros, muito negros, do tipo que você pode se ver neles. E aos machistas de plantão, não, não sou gostosa. Como eu disse, normal. Apesar de às vezes achar um pouco chato ter que comprar calças jeans um pouco mais largas devido ao tamanho do meu quadril. Que se lasque, eu sei seduzir. E era isso o que eu faria.

Ajeitei o vestido para que ficasse um pouco acima dos joelhos e mostrasse minhas pernas. Aproximei-me dele logo após o cheiro do perfume ter se consolidado em meu pescoço, deslizei a mão pelo seu ombro direito e cheguei perto de seu ouvido esquerdo, perguntando:

- Como tá a produção, querido?

Ele se assustou um pouco, mas logo após sentir o perfume em meu pescoço, seus hormônios juvenis bateram e eu esbocei um sorriso inconsciente no canto da boca que só pareceu deixá-lo mais... animado. Classic move.

- Tá indo, Cora. Tô quase no fim.

Deslizei a outra mão pela sua mesa e derrubei o telefone junto a minhas pernas.

- Desculpa! Eu sinto muito! - disse, em uma voz irritantemente feminina e afetada.

Ele se levantou prontamente e disse que não havia qualquer problema. Foi pegar o telefone e aproveitou para dar uma olhada demorada em minhas pernas. De cima a baixo. Mais um sorriso inconsciente. Mal percebeu ele que, enquanto isso, eu clicava em "Amor" no seu celular e sentia as chamadas acontecerem e culminarem em um inaudível "alô?". Continuei.

- Então, querido, você se lembra do ano passado? - deslizei o dedo por seus ombros finos, fazendo parecer que eram mais largos do que realmente eram. Ele regozijava.

- Hummm, lembro demais, Cora...

- Então, eu estava pensando - mais uma vez eu fazia a voz irritável.

- Ahhh, claro, meu amor. Quê que você acha de a gente ir a um bar depois daqui? - Ele salivava.

Eu me aproximei mais do seu rosto, ajeitando o cabelo levemente com uma das mãos atrás da orelhe.

- Com certeza, mas... e a sua namorada?

- Namorada?! Nããão, a gente terminou faz tempo!

Dessa vez quem regozijou foi eu, pois tinha uma amiga em comum com a namorada dele, e sabia, inclusive, que eles haviam noivado há menos de um mês. Sorri largamente. E decidi fechar com chave de ouro, enquanto via os segundos da ligação do celular dele correndo.

- Mal posso esperar pra sentir seus lábios quentes novamente. - Pensei comigo, sqn.

Virei-me e comecei a andar enquanto ele permanecia boquiaberto, tentando se encolher.

- Eu lhe encontro no bar da esquina mais tarde? - ele gritou enquanto eu ia embora.

Eu olhei de costas em sua direção e sorri. Ele também, mas por motivos diferentes. Fui para casa e dormi tão bem como não fazia há muito tempo.

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